segunda-feira, 7 de março de 2011

Prólogo

Era uma noite fria de inverno. A lua, escondida por nuvens negras, deixava no mais denso breu a paisagem. Especialmente aquela rua suburbana, escura e completamente silenciosa. (Cu! Cuu!). Bom, quase completamente silênciosa. Exceto pelo ingênuo piar de uma coruja. (Cuu! Tomar no Cuuu!) Ou quase isso...

Em seu quarto, Foureaux [pronuncia-se: Furrô] ignorava as comuns brigas do vizinho bêbado e sua mulher prostituta. O jovem estava tenso. Suava frio. Sentia medo. Estava quase completando 100% de Perfect - Simple Plan no Guitar Hero Emo Version T.T, e não podia se dar ao luxo de errar. O jogo estava sem som para não acordar os pais, e a tela brilhava enquanto ele fazia o possível para terminar a música. Sabia que, se perdesse, jamais poderia voltar a se reunir com os miguxos do colégio para sessões de choro coletiva. Faltavam apenas cinco notas, a tela parecia se mover em câmera lenta. Quatro notas. Três notas...

- Corte de Luz! - gritou um eletricista em algum lugar fora da casa.

A TV apagou. A guitarra parou. A irritante luzinha verde do PS2 ligado parou. E Foureaux parou, em choque.

- NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!! - gritou Foureaux totalmente desesperado, começando a soluçar e chorar. "É o fim...preciso...preciso acabar com tudo. Isso, vou...toda a dor vai...tudo desaparecer!" pensou enquanto chorava.

O garoto não tinha muito tempo. Sabia que seus pais deviam estar acordados após seu grito de horror, e torcia para que o sono e a falta de luz os deixasse lentos. Correu para fora do quarto, indo até um pequeno altar de Nossa Senhora no corredor, pegou uma vela de sete dias acesa e começou a caminhar para a escada que levava ao sótão da casa.

"Chegou a hora, enfim" pensou Foureaux enquanto subia a estreita escada. Havia, meses atrás, quando sua família se mudou para aquela espaçosa casa com três andares, deixado uma estilete afiada entre as muitas caixas com tralhas que o avô pedira para o pai guardar. Ele poderia agora se libertar, por assim dizer. E, enquanto as lágrimas deixavam um rastro pela casa, ele se preparava para isso.

Ao entrar no antigo cômodo empoeirado, o jovem se deparou com um labirinto de objetos antigos, e parou por alguns instantes de derramar lágrimas, se concentrando no emaranhado de coisas inúteis. Foureaux, contudo, já sabia mais ou menos onde procurar o estilete, e o achou entre uma estátua de Anúbis e uma velha tapeçaria ilustrando Luís XIV. Passaram-se segundos, e a poeira do cômodo se agitou quando as primeiras gotas de sangue do pulso de Foureaux foram ao chão.

- Filho! - chamou o pai do andar de baixo neste instante, assustando Foureaux. O garoto se encolheu, em silêncio.

- Não me faça seguir o rastro de lágrimas! Outra vez... - retomou o pai, o som de seus pesados passos já soando na escada.

"Preciso me esconder. Ainda faltam minutos pra esse corte fazer efeito!" pensou olhando o pulso, e se levantou pra correr. Ele havia esquecido, contudo, do próprio sangue, e escorregou na poça no mesmo instante, derrubando peças quase tão velhas quanto a Dercy Gonçalves junto com ele. (Click)

- Hã? - falou Foureaux, se sentando, pensando ter ouvido alguma coisa.

- Filho! Venha logo aqui, porra! - gritou o pai de novo, parado na metade da escada. Estava, por superstição, rezando antes de entrar no recinto, onde relíquias do passado podiam esconder maldições e espíritos.

O garoto, no entanto, não ouviu. Seus olhos pareciam presos por uma pequena caixinha feita de onix. Era pouco maior que um punho, um cubo perfeito, e havia em suas laterais uma espécie de runa violeta. A caixa havia feito o som que Foureaux ouvira. A tampa, que havia sido manchada com sangue, estava entreaberta. Como que enfeitiçado pela caixa, ignorando tudo ao redor, o jovem levou suas mãos até ela, a abrindo por completo.

Uma nuvem de fumaça disparou da caixa, preenchendo o ambiente. Enquanto se afastava assustado, Foureaux notou que um vulto feminino surgia entre a nuvem.

- Tema, mortal, pois o Mal Supr... Coff Coff - começou a falar o vulto, enquanto tossia nervosamente. Lutando contra a tosse, continuou - porra de efeitos Coff Coff especiais.

A mulher, penosamente, abanou a fumaça enquanto lembrava um cachorro moribundo.

- Como eu dizia, Eu sou Geisa, O Mal Supremo! - gritou Geisa, o Mal Supremo.

- Você...você é uma mulher?! - disse Foureaux. Ele nunca imaginou que o mal supremo fosse uma mulher.

- Claro que não, sou uma drag queen sexy, não está vendo? u.u - zombou Geisa. Isso irritou Foureaux, que logo se lembrou que ia morrer em breve.

"Morrer em bre...Cade a merda do meu corte?!" pensou o garoto quando olhou para o pulso e viu uma espécie de tribal negro no lugar do corte.

- Maneiro né?! - falou Geisa, que havia acompanhado o olhar do jovem - É a Marca do Mal, prova de que você me libertou e de que estamos unidos

- Então...Eu...Sniff...Não vou...Sniff...Mais morrer?! Buáááááa!! i-i - gritou Foureaux começando a chorar. Geisa o encarava de sombrancelha erguida.

- Pare, agora! - falou o Mal Supremo irritado, levantando Foureaux pela gola - Eu não fui libertada para gastar a minha beleza com um emo!

- Você...buáá...me odeia! Buáááá! i-i - continuou o garoto descontrolado. Geisa, com raiva, estava a beira de lança-lo pela janela quando o vulto de um homem apareceu na porta do cômodo.

- Lucas Furrô! Você. Passou. Do Limite! - gritava o pai enfurecido entrando na sala. No mesmo instante Geisa largou Foureaux, que ficou em pé encarando o pai enquanto este andava em sua direção.

- Lucas. Nome interessante - foi a última coisa que o garoto ouviu a mulher sussurrar em seu ouvido, junto de um risinho medonho, antes que o pai o agarrasse pelo braço.

No momento seguinte, enquanto era arrastado de volta a seu quarto, Foureaux podia jurar que tudo não havia passado de uma alucinação causada pela enorme quantidade de substâncias ilegais que provavelmente estavam misturadas na poeira do Sótão. "Afinal, quem acreditaria em libertação do Mal Supremo?" pensou, e então dormiu.

~ Anexo

O Guitar Hero Emo Version T.T é uma inovadora versão de um dos jogos que mais faz sucesso atualmente (Guitar Hero). Ele foi criado após uma série de protestos organizados da comunidade Emo. Eles diziam que se sentiam excluídos uma vez que nenhum dos jogos anteriores trazia músicas de teor baixo astral. Os produtores do jogo, claro, ignoraram os emos, até que um deles percebeu que podia ganhar muito dinheiro, e em pouco tempo circulava no mercado o Guitar Hero Emo Version T.T. Claro, nenhum não-emo em bom estado mental compraria um jogo com esse nome, e os emos continuaram excluídos. Mas, tendo o jogo em mãos, os protestos pararam. Todos os emos do planeta pareciam ocupados em realizar com perfeição cada uma das músicas no nível de dificuldade máximo: chorando sem borrar o rímel.

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