quinta-feira, 10 de março de 2011

Cap. 1 - Má História


A rua, agora em silêncio, abrigava uma curiosa mistura de estilos de casa. A maioria estava dentro de um padrão "normal": garagem, dois andares, um jardim mal cuidado. Algumas eram tentativas macabras de imitar o estilo modernista do Niemeyer. Uma era um terreno com um trailer estacionado. E muitas, muitas garrafas de bebida quebradas, fazendo o papel de cerca. Eram exatamente três da madrugada quando, de uma forma extremamente hábil, o habitante do trailer ampliou sua cerca atirando três novas garrafas pela janela....

Foureaux acordou em seu quarto. Gotas gélidas de suor escorriam da testa, passando ao lado de seus olhos arregalados. Havia tido um horrível pesadelo. John Lennon estava vivo, o mundo todo era hippie e ele saltitava vestindo apenas uma tanga amarela em meio a um bando de barbados cabeludos que não usavam nenhuma maquiagem. Nenhuma! O garoto acendeu a lâmpada da cabeceira, se levantando para ir ao banheiro.

- Oi lek! - falou uma voz feminina familiar. Foureaux engoliu em seco ao ver Geisa encostada na parede do quarto, o encarando.

- Ah...Ah... - babou o garoto

- Já saquei, o excesso de gel deve ter deixado seu cérebro assim, né Lucas? - falou Geisa

- Poderia me chamar de Furrô por favor, não gosto do primeiro nome - respondeu Foureaux de forma automática - eerh...digo, você é mesmo real então?

- Vamos por partes, como meu neto Jack fazia - disse Geisa - primeiro, eu poderia não te chamar de Lucas, mas vou te chamar assim mesmo, Lucas.

- -.-

- Segundo - continuou Geisa - claro que eu sou real, e vou encobrir o mundo de trevas

- Então por que ainda não foi?

- ... - a mulher pareceu se concentrar profundamente para tentar responder

- Mal Supremo? - chamou Foureaux

- Eu, eu! - respondeu Geisa voltando a realidade - Bom, eu acho que sei...

- Você acha que sabe?

- É que, tipo, ta tudo meio confuso, sabe? Minha cabeça e tals

- Aham... E você tomou seu gadernal hoje, né?! - zombou Foureaux, irritado com aquela estupidez.

- Fica quieto que tu é um inútil Lucas

- Sniff

- Bom, como eu ia dizendo, vou tentar explicar - disse Geisa, e então ficou novamente imersa em pensamentos.

Foureaux esperou, quieto, a explicação. Passaram-se demorados dois minutos.

- Vai começar ou não vai? - perguntou o garoto impaciente.

- Puto! Eu estava fazendo uma pausa dramática, você estragou tudo! ò.ó - gritou Geisa irritada. Em seguida respirou fundo - vou começar de novo...

Outros demorados dois minutos se passaram, dessa vez sem interrupção. Geisa, por fim, começou:

"Há muito tempo atrás, em meio ao caos das trevas, eu nasci. Aos poucos, o que era um emaranhado de forças obscuras criaram consciência. Esta era eu, que, movida pelo puro instinto do mal, voltei-me para o mundo humano, decidindo tomar uma forma fisica semelhante àquela adotada pelas fascinantes criaturas do planeta Terra. Criaturas com o potencial para o mal. Criaturas que me acolheram, me adoraram, e caíram aos meus pés sob este corpinho sexy que eu possuo.
Os hu.."

- Pera, corpinho sexy? o.o - interrompeu Foureaux

- Além de tudo é cego, coitado... - falou Geisa como se sentisse pena, e, após outra demorada pausa dramática, retomou a história:

"Os humanos, contudo, também eram estupidamente capazes de realizar o bem. E eu, em toda minha beleza e prepotência, caí. Minha essência foi completamente estraçalhada. Nos anos que se seguiram, enquanto a energia negra aos poucos se reagrupava em mim, tudo que pude fazer foi reencarnar diversas vezes, influenciando humanos, encontrando a maldade, dando vida às forças das trevas. Finalmente, em meados do século XIV do calendário ocidental, o Mal Supremo encontrou um meio de renascer de forma coesa. Eu era novamente a mais perfeita e maligna criatura de todo o univer..."

- Acorda seu emo miserável!!! - gritou Geisa quando percebeu que Foureaux roncava
tranquilamente em sua cama.

- Hã? Ah, ta, sei, o mal do universo... - disfarçou o garoto notando enquanto era sacudido pelo Mal Supremo

- Agora presta atenção na porra da história, ou morre! - gritou novamente Geisa.

- Ok, mas dá pra falar mais baixo? Meus pais ainda estão dormindo

- Hmph. Continuando:
"Eu er..."

- Não vai ter pausa dramática? - perguntou Foureaux

- Cansei

- Deus é bom

- Que?!

- Nada. Continua

"Eu era a criatura mais perfeita e maligna de todo o universo. Porém, um antigo inimigo do
passado, liderando um grupo de jovens com poderes místicos..."

- Os Power Rangers? - interrompeu Foureaux

- Prestar atenção na porra da história E não interromper - falou Geisa cerrando os dentes - além do mais, todo mundo sabe que os Power Rangers não existem
- =O
- Continuando:

"Um grupo de jovens com poderes místicos conseguiu me aprisionar. Meu poder então foi dividido em quatro partes, todas seladas em pequenas e preciosas caixinhas, que se perderam com o tempo. Uma vez mais, tudo que eu pude fazer foi observar os humanos e os influenciar. Você libertou uma parte desse poder, mas até que eu tenha o poder completo, nós estamos ligados. Fim."

- Só uma dúvida - começou Foureaux, após o fim da história.

- Fala

- Precisava contar toda sua história chata para dizer que estamos ligados? Não bastava, por exemplo, dizer "nós estamos ligados"? - perguntou o garoto intrigado

- Minha história não é chata! É a história do mal supremo, todo mundo morre de medo do mal supremo

- Dude, século XXI

- E?

- Mal supremo é coisa de videogames nada famosos

- Olha só! Lucas, eu tive paciência até agora, mas se você continuar me irritando - Geisa fez então uma cara medonha, assustadora, com um olhar amaldiçoador. Era um rosto que ser
humano nenhum suportaria ver, ou conseguiria imitar. Foureaux tinha se virado um segundo antes ouvindo a mãe abrir a porta.

- Filho, eu sei que criar amigos imaginários e conversar com eles até altas horas é importante para você, mas se continuar me acordando e seu pai, te levo de novo para o psiquiatra! - falou a mãe, batendo a porta em seguida.

Foureaux e Geisa se entreolharam, ambos nervosos. Haviam acabado de ver uma mulher descabelada, babando, e com um tipo de máscara verde no rosto. Nada podia ser mais assustador.

- Eu vou me deitar... - falou o garoto, baixinho, notando em seguida que o Mal Supremo já roncava alto enrolada em seus cobertores. Sem forças para revidar, ele se deitou no chão, puxando a almofada do sofá e o tapete para se cobrir. Antes de dormir, Foureaux só conseguia pensar em uma coisa. "Power Rangers...não existem... o.o"

Eram cinco da manhã, e o dono do trailer tinha decidido que podia melhorar ainda mais a sua cerca. Dessa vez, voando pela janela, um engradado inteiro de garrafas vazias se tornou parte permanente da obra.

~ Anexo

Foureaux fez psicanálise durante dois anos. O terapeuta acabou se matando após ser convencido pelo garoto de que a vida dele era ainda pior que a do seu paciente. Os pais então procuraram um psiquiatra especialista em casos críticos de depressão. Depois de meros vinte minutos, o psiquiatra diagnosticou Foureaux como "mais um emo", e durante os quarenta minutos restantes da consulta obrigou o garoto a repetir, sem parar, a frase Eu sou feliz. Os únicos resultados foram uma cegueira do olho direito do especialista, causada por uma caneta bem arremessada, e um jovem com trauma de psiquiatras.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Prólogo

Era uma noite fria de inverno. A lua, escondida por nuvens negras, deixava no mais denso breu a paisagem. Especialmente aquela rua suburbana, escura e completamente silenciosa. (Cu! Cuu!). Bom, quase completamente silênciosa. Exceto pelo ingênuo piar de uma coruja. (Cuu! Tomar no Cuuu!) Ou quase isso...

Em seu quarto, Foureaux [pronuncia-se: Furrô] ignorava as comuns brigas do vizinho bêbado e sua mulher prostituta. O jovem estava tenso. Suava frio. Sentia medo. Estava quase completando 100% de Perfect - Simple Plan no Guitar Hero Emo Version T.T, e não podia se dar ao luxo de errar. O jogo estava sem som para não acordar os pais, e a tela brilhava enquanto ele fazia o possível para terminar a música. Sabia que, se perdesse, jamais poderia voltar a se reunir com os miguxos do colégio para sessões de choro coletiva. Faltavam apenas cinco notas, a tela parecia se mover em câmera lenta. Quatro notas. Três notas...

- Corte de Luz! - gritou um eletricista em algum lugar fora da casa.

A TV apagou. A guitarra parou. A irritante luzinha verde do PS2 ligado parou. E Foureaux parou, em choque.

- NOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!! - gritou Foureaux totalmente desesperado, começando a soluçar e chorar. "É o fim...preciso...preciso acabar com tudo. Isso, vou...toda a dor vai...tudo desaparecer!" pensou enquanto chorava.

O garoto não tinha muito tempo. Sabia que seus pais deviam estar acordados após seu grito de horror, e torcia para que o sono e a falta de luz os deixasse lentos. Correu para fora do quarto, indo até um pequeno altar de Nossa Senhora no corredor, pegou uma vela de sete dias acesa e começou a caminhar para a escada que levava ao sótão da casa.

"Chegou a hora, enfim" pensou Foureaux enquanto subia a estreita escada. Havia, meses atrás, quando sua família se mudou para aquela espaçosa casa com três andares, deixado uma estilete afiada entre as muitas caixas com tralhas que o avô pedira para o pai guardar. Ele poderia agora se libertar, por assim dizer. E, enquanto as lágrimas deixavam um rastro pela casa, ele se preparava para isso.

Ao entrar no antigo cômodo empoeirado, o jovem se deparou com um labirinto de objetos antigos, e parou por alguns instantes de derramar lágrimas, se concentrando no emaranhado de coisas inúteis. Foureaux, contudo, já sabia mais ou menos onde procurar o estilete, e o achou entre uma estátua de Anúbis e uma velha tapeçaria ilustrando Luís XIV. Passaram-se segundos, e a poeira do cômodo se agitou quando as primeiras gotas de sangue do pulso de Foureaux foram ao chão.

- Filho! - chamou o pai do andar de baixo neste instante, assustando Foureaux. O garoto se encolheu, em silêncio.

- Não me faça seguir o rastro de lágrimas! Outra vez... - retomou o pai, o som de seus pesados passos já soando na escada.

"Preciso me esconder. Ainda faltam minutos pra esse corte fazer efeito!" pensou olhando o pulso, e se levantou pra correr. Ele havia esquecido, contudo, do próprio sangue, e escorregou na poça no mesmo instante, derrubando peças quase tão velhas quanto a Dercy Gonçalves junto com ele. (Click)

- Hã? - falou Foureaux, se sentando, pensando ter ouvido alguma coisa.

- Filho! Venha logo aqui, porra! - gritou o pai de novo, parado na metade da escada. Estava, por superstição, rezando antes de entrar no recinto, onde relíquias do passado podiam esconder maldições e espíritos.

O garoto, no entanto, não ouviu. Seus olhos pareciam presos por uma pequena caixinha feita de onix. Era pouco maior que um punho, um cubo perfeito, e havia em suas laterais uma espécie de runa violeta. A caixa havia feito o som que Foureaux ouvira. A tampa, que havia sido manchada com sangue, estava entreaberta. Como que enfeitiçado pela caixa, ignorando tudo ao redor, o jovem levou suas mãos até ela, a abrindo por completo.

Uma nuvem de fumaça disparou da caixa, preenchendo o ambiente. Enquanto se afastava assustado, Foureaux notou que um vulto feminino surgia entre a nuvem.

- Tema, mortal, pois o Mal Supr... Coff Coff - começou a falar o vulto, enquanto tossia nervosamente. Lutando contra a tosse, continuou - porra de efeitos Coff Coff especiais.

A mulher, penosamente, abanou a fumaça enquanto lembrava um cachorro moribundo.

- Como eu dizia, Eu sou Geisa, O Mal Supremo! - gritou Geisa, o Mal Supremo.

- Você...você é uma mulher?! - disse Foureaux. Ele nunca imaginou que o mal supremo fosse uma mulher.

- Claro que não, sou uma drag queen sexy, não está vendo? u.u - zombou Geisa. Isso irritou Foureaux, que logo se lembrou que ia morrer em breve.

"Morrer em bre...Cade a merda do meu corte?!" pensou o garoto quando olhou para o pulso e viu uma espécie de tribal negro no lugar do corte.

- Maneiro né?! - falou Geisa, que havia acompanhado o olhar do jovem - É a Marca do Mal, prova de que você me libertou e de que estamos unidos

- Então...Eu...Sniff...Não vou...Sniff...Mais morrer?! Buáááááa!! i-i - gritou Foureaux começando a chorar. Geisa o encarava de sombrancelha erguida.

- Pare, agora! - falou o Mal Supremo irritado, levantando Foureaux pela gola - Eu não fui libertada para gastar a minha beleza com um emo!

- Você...buáá...me odeia! Buáááá! i-i - continuou o garoto descontrolado. Geisa, com raiva, estava a beira de lança-lo pela janela quando o vulto de um homem apareceu na porta do cômodo.

- Lucas Furrô! Você. Passou. Do Limite! - gritava o pai enfurecido entrando na sala. No mesmo instante Geisa largou Foureaux, que ficou em pé encarando o pai enquanto este andava em sua direção.

- Lucas. Nome interessante - foi a última coisa que o garoto ouviu a mulher sussurrar em seu ouvido, junto de um risinho medonho, antes que o pai o agarrasse pelo braço.

No momento seguinte, enquanto era arrastado de volta a seu quarto, Foureaux podia jurar que tudo não havia passado de uma alucinação causada pela enorme quantidade de substâncias ilegais que provavelmente estavam misturadas na poeira do Sótão. "Afinal, quem acreditaria em libertação do Mal Supremo?" pensou, e então dormiu.

~ Anexo

O Guitar Hero Emo Version T.T é uma inovadora versão de um dos jogos que mais faz sucesso atualmente (Guitar Hero). Ele foi criado após uma série de protestos organizados da comunidade Emo. Eles diziam que se sentiam excluídos uma vez que nenhum dos jogos anteriores trazia músicas de teor baixo astral. Os produtores do jogo, claro, ignoraram os emos, até que um deles percebeu que podia ganhar muito dinheiro, e em pouco tempo circulava no mercado o Guitar Hero Emo Version T.T. Claro, nenhum não-emo em bom estado mental compraria um jogo com esse nome, e os emos continuaram excluídos. Mas, tendo o jogo em mãos, os protestos pararam. Todos os emos do planeta pareciam ocupados em realizar com perfeição cada uma das músicas no nível de dificuldade máximo: chorando sem borrar o rímel.